O caráter normativo dos princípios jurídicos
1 – Introdução. 2 – A teoria dos sistemas de
Niklas Luhmann. 2.1 – O direito como sistema
em Luhmann. 2.2 – Fechamento operacional eacoplamento estrutural dos sistemas. 2.3 – O
Poder Judiciário e sua posição no sistema jurí-
dico. 3 – O direito entre faticidade e validade:uma crítica à opção metodológica pela juris-
prudência de valores. 3.1 – Algumas conside-rações de Jürgen Habermas acerca da teoria dos
sistemas de Niklas Luhmann. 3.2 – Jurispru-
dência de valores: o impacto e a recepção deteoria de Robert Alexy pelo Judiciário. 3.3 – A
crítica de Jürgen Habermas à jurisprudência devalores: o código binário do direito e sua vali-
dade deontológica. 4. Os problemas de um Ju-
diciário autocrático. 5. Conclusões.
contra uma decisão do juízo federal da 10a
Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal.
A decisão do juízo ordinário autorizava a
coleta da placenta da extraditanda grávida,
a cantora Glória Treviño Ruiz, que se en-
da Polícia Federal. A coleta serviria para a
inquérito policial que investigava os fatos
vez que esta tivera início dentro da carcera-
Emílio Peluso Neder Meyer é Graduado em
gem. A cantora acusava funcionários daque-
Direito pela Faculdade Mineira de Direito da
PUC/MG. Mestrando em Direito Constitucio-
le órgão público. No mérito da decisão, o
Supremo Tribunal Federal autorizou a rea-
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lização do exame de DNA, asseverando ex- moderna e complexa sociedade contempo-
pressamente, como se pode constatar no In- rânea. De modo crítico, Luhmann assume a
formativo do STF de no 257, que o Tribunal ambição de Talcott Parsons (de quem foi alu-
fazia uma ponderação de valores constitucio- no, nos anos de 1960 e 1961, em Harvard)
nais contrapostos: o direito à intimidade e à de elaborar uma teoria geral da sociedade,
vida da extraditanda e o direito à honra e à fundamentada numa proposta funcionalis-
imagem dos servidores e da Polícia Federal ta (IZUZQUIZA, 1997, p. 11), já não mais
conciliadora (um “estruturalismo funcio-
nal”). Há, na teoria luhmanniana, uma cons-
como opção metodológica para fundamen- tante pretensão de generalidade, nunca re-
tação de decisões tem sido uma constante duzindo os fundamentos científicos apenas
no Brasil. A fim de superar o dito positivis- a um âmbito particular de incidência. Com
mo e seus métodos arcaicos de interpreta- isso, cresce proporcionalmente a capacida-
ção, o Supremo Tribunal Federal vem, de de de uma proposta teórica gerar problemas
maneira acrítica, importando uma doutri- a serem discutidos e investigados, algo que
na alemã que já há muito é alvo de severas evidencia a contemporaneidade da obra do
objeções. A referida utilização dessa doutri- autor2. Além disso, a teoria de Luhmann re-
na para a fundamentação de decisões tem vela um apego evidente à multidisciplinari-
sido feita por parte dos juízes ordinários e edade, englobando conceituações e propo-
tribunais inferiores. Comparando direitos a sições próprias da cibernética, da neuroci-
valores, tal doutrina coloca em cheque o pró- ência e outras áreas do conhecimento.
prio conceito de direito, o que nos leva a uma
reflexão sobre os limites da atuação do Po- re-se ao reconhecimento por Luhmann da
der Judiciário no Estado Democrático de complexidade da sociedade moderna e ao
Direito. Até que ponto juízes e tribunais se intento, que ele relega à ciência, de tentar
submetem a um direito promulgado pelo reduzir tal complexidade. Assim, ele coloca
legislador? Há realmente uma possibilida- a ciência dentro dos seus limites próprios e
de de justificação racional de decisões base- assume noção de sua precariedade. A com-
adas numa jurisprudência de valores? O plexidade é entendida como a abundância
sistema do direito perde sua diferenciação de relações, possibilidades, conexões, sem
que seja possível estabelecer uma linha con-
O trabalho que se segue não visa dar uma tínua entre cada elemento (IZUZQUIZA,
resposta final a todas essas questões. Limi- 1997, p. 16). O problema próprio de uma
tar-me-ei a expor alguns pontos das teorias sociedade complexa como a hodierna é o da
de Luhmann e Habermas que podem escla- impossibilidade de se referir apenas a um
recer a questão, bem como a apresentar os centro; nisso se revela a marcada diferenci-
contornos de uma doutrina “deontológica” ação dessa sociedade. Tal diferenciação é
extremamente importante em nossa análise
zação de sistemas como o direito perante
outras ordens normativas, como a moral e a
ética. A complexidade da sociedade moder-
Niklas Luhmann, jurista e sociólogo, na é enfrentada pela própria assunção de
pretendeu desenvolver uma teoria para a um paradoxo: só é possível reduzir comple-
sociedade. Seu projeto almejou explicar so- xidades aumentando a própria complexi-
ciologicamente vários setores da sociedade dade. Daí que uma teoria da sociedade que
(direito, religião, política, economia etc) pretenda reduzir a complexidade da mes-
para, ao fim, tentar traçar um panorama da ma deverá ser, ela mesma, complexa. Revista de Informação Legislativa
Esse primeiro paradoxo demonstra mui- pode ser entendido a partir da diferença em
to acerca do que a teoria dos sistemas de relação ao ambiente. Mais à frente, tal siste-
Luhmann tem a dizer. O direito, assim como ma pode ser observado como um sistema
outros subsistemas sociais, é construído auto-referente e autopoiético. Assim, ele
sobre um paradoxo. Um paradoxo que é pode criar tanto sua estrutura quanto os ele-
enfrentado de forma criativa. É ele quem re- mentos que o compõem.
vela que um sistema é autopoiético3.
Pode-se conceituar um sistema como o
tanto, o paradoxo é o pressuposto da conjunto de elementos inter-relacionados,
própria autopoiese do sistema”. cuja unidade é dada por suas interações.
(NEUENSCHWANDER, 1998, p. 83) As propriedades desses elementos são dis-
Ao incorporar a teoria dos sistemas, tintas das propriedades da soma dos mes-
Luhmann procede a uma reformulação do mos (CHAI, 2004, p. 50). Os sistemas po-
conceito de sistema de modo a que ele pos- dem ainda se constituir como elementos de
sa-se tornar um meio adequado para a des- sistemas ainda maiores.
crição da sociedade e para a elaboração de
uma teoria adequada, nunca uma finalidade seu ambiente, já que a ele se refere na medida
da própria teoria dos sistemas (IZUZQUIZA, em que pode reduzir a sua complexidade.
Por isso, uma teoria sociológica deve ser
complexa: para lidar com sistemas comple-
2.1 – O direito como sistema em Luhmann
xos (MANSILLA RODRIGUEZ, 2002, p. 28).
O conceito de sistema apresentado por A base dos sistemas sociais é a pergunta
Luhmann é fruto da evolução e desenvolvi- pela diferença, por possibilidades outras.
mento da teoria dos sistemas. Ele admite um
conceito de sistema auto-referente, apartado medida em que o faz em relação ao seu am-
em pontos do conceito clássico difundido biente. O sistema traça, por intermédio de
por von Bertalanffy (IZUZQUIZA, 1997, p. suas operações, seus próprios limites em
18). O conceito clássico precisava que um relação aos elementos que não lhe perten-
sistema é um conjunto de elementos que cem e que, justamente por isso, fazem parte
mantêm relações entre si e que se encontram de seu ambiente. Ele não opera para além
separados de um certo ambiente. A relação de seus limites, o que não significa um total
entre sistema e ambiente desempenha um isolamento do sistema. As operações são,
importante papel na caracterização do pró- realmente, sempre internas, mas, pela ob-
prio sistema e o sistema se define a partir, servação, os limites podem ser passíveis de
sempre, de um certo ambiente. Na teoria dos serem transcendidos, verificando-se várias
sistemas auto-referentes, o sistema se defi- formas de interdependência entre sistema e
ne precisamente por sua diferença em rela- ambiente. As operações de um sistema fun-
ção ao ambiente, uma diferença incluída no cionam de acordo com o código do sistema.
próprio conceito de sistema. O sistema só A codificação é uma duplicação da comu-
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nicação a partir de uma afirmação e de uma se desenvolvem numa lógica própria.
“Con código se entiende una regla cria uma teoria para justificar o direito, mas
de duplicación que permite relacionar sim para descrevê-lo.
Se o direito não pode cumprir a função
de aplicación con una entidad corres- de integração social, qual a sua função7? Na
pondiente. Esto es válido en primer sociedade, sempre ocorrerá uma diferencia-
lugar para el código del lenguaje [.] ção funcional quando a sociedade estiver di-
que permite relacionar toda enuncia- ante de um problema e precisar resolvê-lo.
ción positiva (Ja-Fassung) con una O direito tem que comunicar expectativas
enunciación negativa correspondien- de comportamento e fazer com que elas se-
te (Nein-Fassung): el enunciado nega- jam reconhecidas. O significado social do
tivo hoy llueve puede entenderse como direito é reconhecido quando há conseqüên-
la negación del enunciado negativo cias sociais justamente em virtude de que
hoy no llueve. Con base en el lengua- ele pode estabilizar expectativas temporais
je, esto es válido para los códigos de (LUHMANN, 2002, p. 183). É a dimensão tem-
los diversos sistemas de funciones [.] poral da função do direito. A função do di-
basados siempre en un esquema bi- reito pode ser assim dividida:
O código com o qual opera o direito é o
– O direito deve comunicar tais ex-
código direito/não direito (recht/unrecht). O
código binário de um sistema importa na
utilização da lógica do terceiro excluído:
uma comunicação científica é verdadeira ou
A função do direito não é a de controlar
não é verdadeira, não havendo um meio ter- condutas; se as condutas fossem controlá-
mo. Os códigos são distinções com as quais veis, o direito seria despiciendo. A conduta
um sistema observa4 suas próprias operações é sempre contingente, ou seja, é algo que é
e define sua unidade. A corrupção do siste- como é, mas poderia ser de outra maneira
ma ocorre sempre que ele opera sem obedi- (MANSILLA RODRÍGUEZ, 2002, p. 30).
ência ao seu próprio código. Ao sistema ju- Contingência é liberdade de escolha, mas,
rídico só interessam as comunicações5 que se ao mesmo tempo, obrigação de escolher. O
referem à legalidade ou ilegalidade. Por isso direito protege apenas a expectativa de con-
mesmo, o não direito também interessa ao dutas. A norma pode no máximo oferecer
sistema do direito. O não direito faz parte do vantagens para quem a obedece.
sistema jurídico. Nada é indiferente ao direi-
to. O não direito é o que é antijurídico ou o
2.2 – Fechamento operacional e acoplamento
que não foi objeto de deliberação jurídica.
especial de comunicação, a unidade da di- sistemas é o seu fechamento operacional.
ferença direito/não direito. Ele é um siste- Nada que provenha do exterior do sistema
ma como os outros: não está no topo da so- pode-se tornar elemento seu. Sistemas auto-
ciedade e não cumpre uma função de inte- poiéticos criam seus elementos por meio de
gração social, como quer Habermas6. Uma operações internas, sem se importar com o
sociedade fracionada e constituída por um ambiente. O que não significa que o sistema
completo descentramento não se deixa su- possa-se manter sem necessidade do ambi-
jeitar passivamente. O direito deverá enfren- ente. O sistema está permanentemente vin-
tar a racionalidade de outros sistemas que culado ao ambiente, naquilo que Maturana
Revista de Informação Legislativa
uma condição de sobrevivência do sistema.
jurídico, a mesma categoria (fattispecie)
Sistemas autopoiéticos estão determina-
contemplada na sua própria estrutura e não
segundo a lógica do agente que intervém.
tre o sistema jurídico e o político que
Este só pode fazê-lo pelo modo definido na
se coloca ‘ortogonalmente’ em relação
às operações internas ao sistema e que
cionalmente. As comunicações que consti-
tuem seus elementos são produzidas no in-
terior do sistema e não advêm de seu ambi-
ente. Para que um certo fenômeno possa ser
tematizado na comunicação, é preciso que
ele apele para alguma possibilidade do sis-
comunicação presente na sociedade.
tema que guarde sintonia com o mesmo.
O acoplamento estrutural é uma adapta-
ção permanente entre sistemas diferentes,
que mantêm, não obstante, sua especifici-
dade. Todo sistema se adapta ao seu ambi-
suas formas) de diferenciação. E é pre-
ente; não fosse assim, ele nem poderia exis-
tir. O sistema realiza suas operações em con-
dições de absoluta autonomia. Acoplamen-
to estrutural e autodeterminação do siste-
ma encontram-se numa relação ortogonal,
eles não se podem determinar reciprocamen-
te (CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p. 19).
O ambiente pode afetar o sistema apenas à
maneira de irritações que são reelaboradas sistema político ao direito, com a conseqüên-
internamente. Irritações são também constru- cia de que o comportamento contrário ao
ções internas, resultantes da confrontação de direito resulta no fracasso político. Por ou-eventos com estruturas do sistema. Uma irri- tro lado, a Constituição permite que o siste-
tação é sempre uma auto-irritação.
ma político, por meio da promulgação das
Daí a tese de Luhmann (1996, p. 7) de leis, modifique o direito. Apesar do acopla-
que a Constituição promove o acoplamento mento estrutural, como noticia Mansilla
estrutural entre os sistemas da política e do (2002, p. 51), as operações recursivas inter-
nas de cada sistema se mantêm separadas. “Portanto, deve-se distinguir: a O significado político de uma lei é diferente
Constituição utiliza conceitos como de sua validade jurídica.
povo, eleitor, partidos políticos, Esta-
2.3 – O Poder Judiciário e sua posição
podem ser outra coisa senão concei- processo de diferenciação de um sistema
Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005
implica a sua diferenciação interna8. O pró-
la ley’ y, no por último, la competencia
prio sistema do direito só entra num proces-
so de diferenciação se ele mesmo tenha-se
se ha dado en llamar ‘hard cases’ ”.
diferenciado internamente. Luhmann obser-
va, contudo, que ainda não se decidiu acer-
ca da forma de diferenciação interna.
diferenciação entre legislar e julgar adquire
A ordem geral do sistema do direito pode a conotação que hoje conhecemos. Bentham
ser vislumbrada no fato de que a relação foi quem pugnou, no modelo da common law,
entre sistema e ambiente dos subsistemas é por tal separação, sem que sua proposta se
limitada pelas disposições que regulam as concretizasse.
relações entre sistemas. Tais disposições
A diferenciação entre competência legis-
podem prever diversos graus de liberdade, lativa e competência judicial tem como refe-
diferentes graus de densidade da integra- rência os correspondentes procedimentos.
ção, segundo a própria evolução do siste- Tem por suposição a evolução de normas
ma. Há uma infinidade de tribunais que se de competência e sua delimitação restritiva.
assemelham e que se devem tratar reciproca- O juiz aplica as leis, obedecendo às instru-
mente como iguais. Mas, há muito, surgiram ções do legislador; por outro lado, o mesmo
formas de diferenciação que se apóiam na legislador deve levar em conta o modo de
desigualdade. Por exemplo, cita Luhmann proceder dos tribunais para editar novas
(2002, p. 360), tribunais e advogados, tribu- leis. Isso é o que permite representar a dife-
nais e legisladores. Com isso, há mais dife- rença como uma espécie de círculo ciberné-
renciação e maiores graus de liberdade no tico pelo qual o direito se observa a si mes-
interior do sistema. Para Luhmann (2002, mo como uma observação de segunda ordem
p. 361), importa, sobretudo, o posicionamen- (ou seja, um outro sistema observa o siste-
to dos tribunais como sistemas parciais, ou ma). O juiz deverá entender o que o legisla-
dor quis dizer, ou seja, como ele observou o
De Roma até uma época avançada da mundo. Por isso, os métodos de aferição da
modernidade, tem-se conservada a idéia de “vontade do legislador”. Desse modo, a rela-
que legislação e julgamento são variáveis ção entre competência legislativa e competên-
de uma mesma tarefa: a jurisdictio (dizer o cia judicial é estabelecida segundo uma hie-
direito). Em tal sentido, a diferenciação do rarquia. O tribunal é o órgão executivo da
direito perante a ordem estratificada e a in- competência legislativa e a metódica jurídica
fluência das famílias dependia de uma au- é entendida como mera dedução. Há muito
tonomia um tanto quanto precária do poder se sabe que tal interpretação não correspon-
político. Com os séculos XVI e XVII, de uma de à realidade, mas ao mesmo tempo se com-
maneira quase despercebida, a compreen- preende que a nova agudeza da distinção (le-
são legislativa se desloca do contexto da gislação/jurisprudência) só se pode perceberjurisdictio para o contexto da soberania. Por e recomendar com a ajuda de um conceito
séculos, em tal processo estavam fundidas unitário (LUHMANN, 2002, p. 365).
as idéias de soberania política e de sobera-
multiplicidad emerge de un principio.
desviaciones. Por eso, se exige el référé
Revista de Informação Legislativa
ningún problema conceptuar el rídico10 pregavam a idéia de que só é válido
sistema de derecho paralelo (o o direito que os tribunais podem ditar. Con-
idénticamente) al orden político”. seqüência disso é que a relação entre com-
petência legislativa e judiciária passa a ser
De uma maneira muito rápida, a muito mais uma relação de circularidade e
realidade se contrapôs a tal conceito de não de assimetria linear, realizando uma
diferenciação. Não há como retirar dos
restrição recíproca do espaço de decisão.
tribunais sua competência de interpretar as
leis. Os tribunais devem decidir até que rença da legislação, no exercício da adjudi-
ponto podem-se utilizar da interpretação cação trata-se da aplicação do direito a situa-
para decidir e até que ponto devem exigir ções particulares. Com a necessidade de fun-
do legislador que altere o direito positivo. damentação das decisões e com a premissa
“Y sólo esta concepción de tarea judicativa geralmente aceita de que o Judiciário só age
es la que posibilita llegar a prohibir la sob provocação, torna-se seguro que a deci-
denegación de justicia y a exigir que los
são seja concreta e que o desenvolvimento
de regras se dê paralelamente. Com o apoio
casos que les presenten”. (LUHMANN, da relação assimétrica entre legislação e ju-
risprudência e de meios conceituais deriva-
Assim, do século XIX em diante, os pode- dos, como a doutrina das fontes do direito,
res de interpretação dos juízes têm crescido busca-se evitar a circularidade da assunção
de uma maneira ampla9. Os juízes estão sem- da idéia de que o tribunal “cria” o direito
pre diante da seguinte questão: decidir sobre que “aplica”. Há a assimetrização11 de uma
cada caso e decidir de maneira justa. Tal sig- relação que, de outro modo, permaneceria
nifica, para Luhmann (2002, p. 366), aplicar circular. O círculo não apareceria se os tri-
a igualdade aos casos concretos com a utili- bunais, no momento em que não encontras-
zação das mesmas regras. Uma interpretação sem o direito, em lugar de decidir, conten-
de uma lei deve ser justa. Pontos de vista de tassem-se em dizer que não está claro o di-
justiça restringem tanto a necessidade de de- reito – non liquet. Isso não é possível do ponto
cidir como a liberdade de buscar razões para de vista do direito. O fato de que o sistema se
tanto. É a tríade necessidade, liberdade e restri- confronte internamente com a necessidade deção que produz o direito em Luhmann.
decidir nada mais é do que a conseqüência
Para que houvesse tal desenvolvimento, correspondente ao desacoplamento do sis-
havia uma hipótese de proteção, a qual esti- tema em relação a qualquer participação
pulava que o legislador teria agido racio- direta do ambiente. Mas, nesse caso, o que
nalmente e, desse modo, também de forma os tribunais fazem? Eles realmente decidem?
racional deveriam ser os textos interpreta- (LUHMANN, 2002, p. 369).
dos. Com isso, foi mantida a hierarquia en-
tre a atividade legislativa e a judicante. O ternativa no que respeita a caminhos a se-
método seria a garantia de coincidência en- rem seguidos e suas ulteriores derivações.
tre o hierarquicamente superior e o hierar- Por isso, a decisão é o terceiro excluído da
quicamente inferior. Em auxílio dessa idéia, própria “alternatividade” da alternativa. É
estava a doutrina da plenitude ou ausência a diferença que constitui a alternativa, ou
de lacunas do direito como uma ficção útil, melhor, a unidade dessa diferença. Em ou-
bem como a diferenciação entre letra e espí- tras palavras, um paradoxo. A decisão sem-
rito da lei. Em confrontação se posiciona- pre pressupõe algo que é não é passível de
ram a retórica e a tópica como críticas às decisão, e não apenas que não está decidi-
ambições de alcance dos métodos. No ápice do. De outro modo, a decisão já estaria ante-
dessa oposição, as doutrinas do realismo ju- riormente tomada e seria o caso de apenas
Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005
reconhecê-la. O paradoxo está na relação da que não prevista na lei. Apenas com isto,
desse terceiro excluído com a alternativa que o juiz deixou de ser mero servo da política.
ele constrói para se manter excluído – para
poder decidir –, ad instar do observador que se deve suspender a eterna interpretação do
não pode ser ele mesmo a distinção com a mundo ou dos textos. Mesmo que se possa
qual distingue, mas dever ser, antes, o pon- contrariar, o juiz deve encontrar algo em que
to cego da observação. A isso tudo Luhmann se possa fundamentar e que justifique o iní-
(2002, p. 370) diz que é acrescentado um cio da ação. Para que haja a capacidade da
problema de tempo. No mais das vezes, acei- decisão, é necessária a previsão institucio-
ta-se que um sistema só existe no momento nal, tornando o sistema do direito universal-
em que opera; por isso, o sistema sempre mente competente e capaz de decidir. Tal com-
parte de um mundo simultâneo (é dizer, não binação se evidencia no princípio da não
controlável) ao momento. Daí se poder utili- denegação da justiça. Mesmo nos hard
zar o presente como o momento da decisão. cases12, os tribunais devem tomar uma deci-
Cuida-se de solidificar o que já é modificá- são, não obstante as regras para tanto sejam
vel (em relação ao passado) e o possivelmen- duvidosas. (LUHMANN, 2002, p. 376).
te modificável (em relação ao futuro) para
introduzir no mundo (este simultâneo) a tureza da norma de proibição de denegação
forma de uma alternativa. No que respeita da justiça. Para ele, trata-se de uma disposi-
ao passado e ao futuro, pode-se comportar ção autológica, ou seja, que inclui a si mes-
de maneira seletiva, já que os horizontes não ma no seu campo de aplicação. Se há coa-
necessariamente são atuais. Com tal com- ção para que se decida, está excluído de
portamento, é possível apreender a situa- antemão tudo aquilo que não é decisão, de
ção como uma situação de decisão, uma vez que infringe a disposição autológica.
decisão só possível se concebida temporal- Mas quem procede à aplicação de tal dispo-
sição? Os próprios tribunais? Há um para-
Uma tal análise da decisão possui rele- doxo aqui. Os tribunais devem decidir
vantes conseqüências, ainda que inaceitá- onde não podem decidir. E se não podem,
veis do ponto de vista jurídico. Uma deci- devem-se esforçar por poder; se não se
são não estaria determinada pelo passado, encontra o direito, deveria ele ser inven-
mas operaria dentro de sua própria cons- tado (LUHMANN, 2002, p. 379). O para-
trução que só é possível no presente. De ou- doxo da decisão que não se pode decidir
tro lado, a decisão tem conseqüências para deve-se desenvolver de um ou de outro
os presentes no próprio futuro. Com isso, a modo, deve-se traduzir em distinções ma-
decisão não se deixa determinar pelo pas- nejáveis como decisão/conseqüência, prin-
sado, mas busca determinar o futuro, ainda cípio jurídico/aplicação.
que isso seja parcialmente impossível dian-
te da contingência de novas decisões. Por
isso, os tribunais se preocupam com as con-
seqüências de suas decisões e buscam legi-
timá-las pela valoração daquelas. Já que não
é possível determinar todas as conseqüên-
cias diante de novas decisões, é que surge a
ilusão de que o passado determina a deci-
são, entendido este como procedimento.
eso, la res judicata es intocable, a no ser
qualquer demanda requer uma decisão, ain-
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universo cerrado en sí mismo en el que, ge e se esconde o paradoxo da proibição de
aun bajo tensiones sociales extremas, denegação de justiça –, pode-se dizer que é
se puede practicar la ‘argumentación dissolvida a possibilidade de descrever a
puramente jurídica’ que decide por sí diferenciação do sistema de direito como
misma los espacios de interpretación uma organização hierárquica. O legislador
que se pueden permitir, y en el que se fixa as condições com as quais os tribunais
puede rechazar la deformación podem entender, aceitar e praticar a adjudi-
pretendida”. (LUHMANN, 2002, p. cação: isso nada mais é do que firmar sua
existência. Assim, Luhmann (2002, p. 383)
Tal necessidade de decidir traz conse- propõe a substituição da cadeia hierárqui-
qüências nos procedimentos de que se utili- ca por uma diferenciação entre centro e pe-
zam os tribunais. O sistema se orienta por riferia. A organização da jurisdição seria um
regras de decisão (programas) que servem sistema parcial no qual o sistema do direito
para especificar pontos de vista de seleções. tem seu centro. A tomada de posição da
No fim, importam apenas os valores do có- magistratura significa que o juiz se subor-
digo direito/não direito com os quais é pos- dina a restrições de comportamento que não
sível julgar, não importando os aspectos
são válidas para qualquer pessoa, ou seja,
moralistas, políticos ou econômicos. O sen- ele deve atender à produção de regras jurí-
tido de um sistema do direito que se apóia dicas voltando-se para os standards meto-
na Constituição tem que ver com a garantia dológicos e de conteúdo vigentes. Para a
procedimental (aceitabilidade racional), já que periferia, não há a necessidade de decidir;
o processo não pode prometer a cada um nela são manejados interesses de qualquer
que o direito decidirá a seu favor.
caráter, sem que seja necessária a distinção
Debilidade metodológica, perda de cer- entre interesses legais e interesses ilegais.
teza, a queda das diretrizes dogmáticas e a Justamente por isso, a periferia serve de zona
crescente falta de limites entre legislação e de contato com outros sistemas de funções
jurisprudência são todas conseqüências da da sociedade, como economia, família ou
necessidade de que se decida. Por isso, cres- política. Ao mesmo tempo, a legislação, ce-
ce a importância de um olhar crítico sobre dendo à pressão política, infiltra-se em es-
os tribunais (LUHMANN, 2002, p. 380).
paços outrora não alcançados pelo direito.
Assim, é o imperativo de decidir que dis- É na periferia que as irritações13 se formali-
tingue os tribunais das demais instituições zam (ou não) por meio do direito. Os tribu-
do sistema do direito. Os tribunais, ao con- nais, como centro, possuem uma zona de
trário de outras instituições de direito, de- atuação menor justamente porque só traba-
vem decidir qualquer caso que se lhes apre- lham no código direito/não direito.
sente. Só a eles cabe manejar o paradoxo do
“Regra geral: tanto quanto se en-
sistema. Eles devem transformar a indeter-
minação em determinação; só eles podem
transformar necessidade em liberdade.
por distinções que buscam esconder o que
manifestam. Isso é possível, estruturalmen-
te, por meio do processo de diferenciação,
ou seja, pela multiplicação, dentro do siste-
ma, da distinção sistema/ambiente.
tribunais compete a tarefa de superar o pa-
apreciação do Poder Judiciário”.
radoxo do sistema de direito – como se exi-
Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 20053 – O direito entre faticidade e
direito que se conecta a uma autocompreen-
são normativa do direito, a limine descolado
de uma realidade “cínica”. Por outro lado,
teorias filosóficas do direito voltam-se deci-
didamente para o conteúdo moral das insti-
3.1 – Algumas considerações de Jürgen
tuições jurídicas modernas. Elas formulam
Habermas acerca da teoria dos sistemas de
princípios para uma sociedade que se pre-
tenda bem ordenada, mas de uma forma tão
Para Habermas, o direito moderno cum- enfrenta dificuldades de implementação.
pre as funções de integração social que as
ordens sociais já não conseguem alcançar. marxista com seu conceito de sociedade des-
Utilizando-se da ação comunicativa, o poten- centrada, formada por vários subsistemas
cial de racionalidade da linguagem é explo- que se auto-observam e observam uns aos
rado com aquele desiderato. Habermas (1998, outros, mas que não se intervêm mutuamen-
p. 105) salienta que, na medida em que se te, adotando uma atitude reflexiva acerca
toma consciência do conteúdo ideal da va- dessa relação. As capacidades transcenden-
lidade do direito, ocorre um choque entre o tais de sujeitos-consciência, monadicamen-
mesmo e as exigências de uma economia te concebidos por Husserl, tornam-se pro-
regulada pelo mercado e de um poder ad- priedade de sistemas despidos da subjetivi-
ministrativo; nesse ínterim, a mesma auto- dade das mônadas14 da consciência, mas
compreensão normativa é posta em jogo por monadicamente encapsulados sobre si mes-
uma crítica das ciências sociais. Tal crítica mos (HABERMAS, 1998, p. 110). De ante-
mão, essa é uma afirmação de Habermas
– de um lado, o direito tem que facilmente refutada pelas considerações te-
sustentar a pretensão de que nem o cidas acima acerca da teoria dos sistemas
subsistema econômico e nem o sis- de Luhmann. Habermas parece não levar
tema regulado pelo poder adminis- em conta conceitos como o de irritação pre-
trativo podem fugir de uma integra- sente na teoria luhmanniana, além do modo
ção social mediada por uma cons- como, pelo acoplamento estrutural, sistemas
se observam e utilizam operações de outros
– de outro lado, a sociologia vê para reconduzi-las no seu próprio código.
O que procede de uma crítica à ideologia
e de uma crítica ao poder é a mediatização
ciar as expectativas ‘normativas’ das
de tal contradição no seio da sociedade. Te-
orias sociológicas, voltadas para a oposi-
ção entre pretensão e realidade, só são ana-
lisadas por Habermas (1998, p. 105-106) na
medida em que se formam na objeção de que
um direito já periférico deve despojar da
aparência de normatividade se quiser cum-
prir suas funções na complexa sociedade
Habermas (1998, p. 106), a aceitação desse
imperativo como correto retiraria parte do
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Todas essas teorias e controvérsias colo-
tema jurídico é cognitivamente aber- cam em jogo o direito como categoria cen-
to. Em cada um de seus elementos e tral da teoria da sociedade. A teoria de
na correspondente reprodução destes, Luhmann passa a ser o ponto de referência
ele depende de sua capacidade de de Habermas (1998, p. 112) nessa seara. Em
determinar se certas condições encon- tal teoria, o direito é entendido unicamente
tram-se, ou não, preenchidas. A coo- desde o ponto de vista funcional da estabi-
peração entre o caráter normativo e o lização de expectativas de comportamento.
Nos casos de conflito, ele decide de acordo
condição para sua constante reprodu- com o código binário “justo” jurídico/ “in-
ção; desta combinação resulta a pró- justo” jurídico. Em sentido amplo, o siste-
pria unidade do sistema. Enquanto o ma jurídico em conjunto compreende todas
caráter de norma serve para a autocri- comunicações que se orientam pelo direito.
ação do sistema, à sua continuidade, Em sentido estrito, compreende todos atos
na medida em que o diferencia do jurídicos que alteram situações jurídicas, re-
meio ambiente, o caráter cognitivo ser- troalimentando-se de procedimentos jurídi-
ve para a coordenação deste processo cos institucionalizados, normas jurídicas e
com o meio ambiente do sistema”. considerações da dogmática jurídica. Tais
(NEUENSCHWANDER, 1998, p. 86- considerações só têm sentido mediante a su-
posição de que a diferenciação do sistema ju-
Para Habermas (1998, p. 110), Luhmann rídico realiza sua autonomização, converten-
é o sucessor da fenomenologia transcenden- do-o num sistema autopoiético (HABERMAS,
tal da perspectiva da teoria dos sistemas, 1998, p. 112). Ele se desliga de seus ambien-
tendo ele dado um giro sobre a filosofia do tes, com os quais se relaciona apenas medi-
sujeito e colocando-a sobre um objetivismo ante observações.
radical. Tal como Lévi-Strauss, Althusser e
Foucault, os sujeitos perdem seu lugar e o tém um intercâmbio direto com os ambien-
direito de intencionalmente se integrar por tes internos à sociedade, nem tampouco
suas próprias consciências. Todos vestígi- pode agir regulativamente sobre eles. O con-
os hermenêuticos seriam apagados de uma tato com os fatos para além desse sistema só
teoria da ação que partisse da autocompre- tem o condão de fazer com que ele aja sobre
ensão dos atores. A visão se abre para a si próprio. Funções de controle relativas à
gama de variação, contingência, pluralida- sociedade global são vedadas, podendo o
de e diversidade das sociedades complexas. direito regulá-la apenas num sentido meta-
O sistema do direito recupera a autono- fórico: ao se modificar, ele se apresenta a
mia que a crítica da ideologia o fizera per- outros subsistemas como um ambiente mo-
der (HABERMAS, 1998, p. 111). Passa a ser dificado, momento em que aqueles podem
um sistema ou discurso dentro de uma plu- reagir de forma indireta. (HABERMAS,
ralidade desordenada de sistemas e discur- 1998, p. 113).
mente, a autocompreensão dos atores e seu interpretação empirista, a sua aplicação.
saber intuitivo são ignorados. O observador, Perde-se a conexão entre o direito e a orga-
ele mesmo ambiente, artificialmente visua- nização do poder político no Estado demo-
liza todo fragmento da vida social como que crático de direito. A comunicação que se efe-
congelado, uma espécie de segunda nature- tua pelo código binário direito/não direito,
za que não se acessa hermeneuticamente; o apenas dentro da construção meramente
máximo que se pode obter é o saber contra- autopoiética – saliente-se –, ignora a cone-
intuitivo próprio das ciências da natureza. xão de normas e ações jurídicas com a su-
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posição de processos de entendimento racio- to de princípios, em que o princípio da li-
nalmente motivados que constituem a comu- berdade de expressão, que estaria amparan-
nidade jurídica, não obstante seja condição do a divulgação do boicote, estaria chocan-
da diferenciação do sistema (HABERMAS, do-se com o princípio constitucional de po-
1998, p. 114). Argumentos jurídicos passam lítica pública que permite restrições à liber-
a servir apenas para diminuir o valor de sur- dade de expressão. Para tanto, seria neces-
presa de decisões motivadas por outras vias sária, por parte da Corte, a utilização de um
e de aumentar sua aceitação. Do ponto de balanceamento ou sopesamento: no caso, o
vista do observador, o que era fundamenta- princípio da liberdade de expressão se so-
ção para os participantes passa a ser ficção breporia a considerações constitucionais
necessária. As argumentações são, para a concorrentes.
teoria dos sistemas, meras formas de comu-
nicação especial que resolvem diferenças de
opiniões sobre como utilizar o código biná-
rio. Dentro da teoria dos sistemas, apenas
têm sentido os efeitos perlocucionários da
argumentação; as razões são meios com os
quais o sistema jurídico se convence de suas
próprias decisões (HABERMAS, 1998, p.
114). Mas, se as razões não possuem mais a
força intrínseca de motivar racionalmente,
a cultura da argumentação se converte num
Se Habermas opõe tais críticas severas a
a teoria luhmanniana: o sistema do direito
opera por meio de um código binário, não
gradual. Só podem ser incluídas dentro do
sistema jurídico decisões que operem nessa
3.2 – Jurisprudência de valores: oimpacto e a recepção de teoria de
Estado, muito além disso, à ‘todas as
áreas do Direito’. É precisamente gra-
consiste numa opção metodológica, de ori-
gem na Corte Constitucional Alemã, para a
‘efeito irradiante’ sobre todo o sistema
argumentação e justificação de decisões ju-
jurídico. Os direitos constitucionais tor-
diciais. Robert Alexy (2003, p. 2) delineia a
nam-se onipresentes (unbiquitous). A
assunção pela Corte Constitucional Alemã
terceira idéia encontra-se implícita na
quais se constituiriam os direitos fundamen-
tais, pela primeira vez, na decisão proferida
no caso Lüth, em 1958. Lüth teria incitado e
convocado o povo alemão a boicotar os fil-
que eles divulgariam idéias nazistas. No
caso, haveria uma situação típica do confli-
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interesses’ torna-se necessário’”.
do adeptos na teoria constitucional brasi-
O caso Lüth, portanto, teria fixado as ba- leira. Para além de nomes como Daniel
ses de uma jurisprudência valorativa ao Sarmento (2002), Luís Roberto Barroso
conceber a Constituição como uma “ordem (1999), entre outros, recentemente, o próprio
concreta de valores”. Princípios possuem o Supremo Tribunal Federal tem recorrido
mesmo caráter de valores: eles podem ser inúmeras vezes ao método da ponderação
relativizados na sua aplicação ao caso con- para justificar suas decisões. Para ficar em
creto, cedendo em parte diante de outro prin- um exemplo, a decisão no Habeas Corpus no
cípio ou cedendo totalmente. A lógica de 82.424/RS incorpora, com o voto do Min.
Alexy e da Corte Constitucional Alemã per- Gilmar Ferreira Mendes, as idéias da dou-
mite retirar a muralha de fogo que constitui a
qualidade deontológica dos princípios em
prol de uma decisão que pode, no extremo
dos casos, definir um terceiro princípio do
conflito entre outros dois. Princípios, dife-
rentemente de regras, são mandados de otimi-zação que pretendem que se realize algo na
possibilidades jurídicas e fáticas. (ALEXY,
Alexy (2003, p. 5) busca justificar a raci-
onalidade da ponderação de valores com o
uso de um princípio abrangente: o princípioda proporcionalidade. Tal princípio envolve
outros três subprincípios: princípio da ade-quação, princípio da necessidade e princípio daproporcionalidade em sentido estrito. Todos
abarcam a idéia da otimização. O princípio
da adequação se refere ao que é factualmen-
propostas por cada princípio é a mais idô-
geral para a solução de conflitos entre
nea. O princípio da necessidade requer que,
na presença de dois meios para dar curso
ao mesmo princípio, seja escolhido o menos
gravoso ou o que gere menos interferência
nos princípios em concorrência. Por fim, o
princípio da proporcionalidade em sentido
estrito expressa a própria máxima da pon-
deração, ao pretender a otimização em rela-
ção às possibilidades jurídicas: quanto mais
intensa for a interferência num princípio,
maior tem que ser a realização de outro.
Com isso, estaria satisfeita a necessida-
de de racionalização e de justificação das
decisões que ponderassem direitos. Ou seja,
direitos são tratados como bens passíveis
de uma mensuração e qualificação. Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 20053.3 – A crítica de Jürgen Habermas àjurisprudência de valores: o código binário dodireito e sua validade deontológica
Para Kant, a relação entre facticidade e
da constatação de que a razão prática (ra- validade apresenta-se como uma relação
zão preocupada com a ação) não oferece interna entre coerção e liberdade fundada
mais soluções normativas diretas para o pelo direito. O direito está autorizado ao uso
direito e para a moral, apenas uma medida da coerção; mas isso só é possível quando
crítica para as práticas constitucionais, pro- ele se opõe aos abusos da liberdade de cada
põe que a teoria do agir comunicativo tente um. Essa relação interna se manifesta na
explicar a reprodução da sociedade no frá- pretensão de validade do direito. “Embora
gil solo das pretensões de validade trans- pretensões de direito estejam ligadas a auto-
cendentes. A razão comunicativa, não ads- rizações de coerção, elas também podem ser
trita a nenhum ator singular nem a um ma- seguidas, a qualquer momento, por ‘respeito
crossujeito sociopolítico, possibilitada pelo à lei’, isto é, levando em conta sua pretensãomedium lingüístico, dá vazão à apropriação de validade normativa”. (HABERMAS, 1997,
e reapropriação crítica de resultados que p. 49). Normas de direito são, ao mesmo tem-
pretendem validade. Com isso, o princípio po, leis da coerção e leis da liberdade. Há um
do discurso (que exige que a fundamenta- entrelaçamento entre aceitação (referente a
ção imparcial leve em conta a participação fatos sociais) e aceitabilidade exigida por
e aceitação de suas conseqüências por to- pretensões de validade, presente já no agir
dos os envolvidos) comprova-se no campo comunicativo, sob a forma de tensão entre
individual, ético e moral. A moral pós-con- facticidade e validade, e intensificada no
vencional de princípios depende, no entan- direito. Como o direito se interliga às três
to, da complementação do direito positivo.
fontes de integração social (dinheiro, poder
“As normas desse direito possibi- administrativo e solidariedade), é preciso
litam comunidades extremamente ar- manter essa tensão por meio da positivida-
tificiais, mais precisamente, associa- de discursiva.
coesão resulta simultaneamente da relacionar facticidade/validade e coerção/
ameaça de sanções externas e da su- liberdade, dele se afasta ao não derivar o
posição de um acordo racionalmente direito da moral, mas estabelece uma com-
motivado”. (HABERMAS, 1997, p. 25). plementariedade entre estes e a política. Se-
Habermas transporta a tensão entre fac- gundo ele, o direito moderno não deve ape-
ticidade e validade presente no seio da lin- nas satisfazer às exigências funcionais de
guagem para a estrutura do direito. Ele pre- uma complexa sociedade econômica, mas
tende alcançar uma resposta satisfatória deve também atender às condições precárias
para a questão da integração social em soci- de integração social satisfeitas por sujeitos
edades extremamente complexas, em que a que agem comunicativamente, ou seja, pela
pluralidade de mundos da vida e de formas aceitabilidade racional de pretensões de
de vida não permita mais o apelo a funda- validade.
mentações metafísicas em nível arcaico.
“O Direito e a organização políticapré-modernas encontravam fundamen-
tação, em última análise, em um amál-
ação [.]. Estas obtêm sua legitimidade
religião, direito, moral, tradição e cos-
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lização de fins e preferências que já
bos se referem à definição de normas de
ação, sendo que normas morais regulam re-
lações interpessoais e conflitos entre pesso-
as naturais, que se reconhecem reciproca-
concreta e como indivíduos insubstituíveis;
ao passo que normas jurídicas regulam re-
lações interpessoais e conflitos entre atores
do direito. “Em sociedades complexas, a
moral só obtém efetividade em domínios vi-
zinhos quando é traduzida para o código
do direito”. (HABERMAS, 1997, p. 144).
Essa tradução se dá pelo princípio da demo-cracia que poderá fazer com que se externem
conteúdos morais em comunidades jurídi-
dos”. (HABERMAS, 1997, p. 200-203).
cas. Isso sob a égide do princípio do discurso,
Essa diferenciação é crucial para a de-
que dá validade a essas relações intersubje- terminação do código binário do direito e
tivas (são válidas as normas de ação às quais da moral, bem como o código gradual, afei-todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu to à ética. assentimento, na qualidade de participantes de
indeterminação do direito, Habermas recor-
Estabelecida a legitimidade dos direitos, re à teoria hermenêutica construtivista de
Habermas passará a definir a legitimidade Ronald Dworkin. Superando as propostas
de uma ordem de dominação por meio da de standards dos costumes dos hermeneu-
relação do poder político com o direito. Para tas, das determinantes extrajurídicas do re-
a tradição do direito racional, o direito sur- alismo e do tributo ao arbítrio do juiz pre-
gia da renúncia à violência e servia para a sente no positivismo, Dworkin aposta na
canalização de uma força equiparada ao premissa de que há pontos de vista morais
poder. Ao diferenciar poder e violência, relevantes na jurisprudência. Distinguindo
Hannah Arendt elimina essa oposição, no argumentos de política (que se formam em
dizer de Habermas (1997, p. 188, grifo do discursos éticos ou pragmáticos) e argu-
autor): “O direito se liga naturalmente a um mentos de princípio (formados em discur-
poder comunicativo capaz de produzir di- sos jurídicos ou morais), Dworkin tem em
reito legítimo”. Assim o direito dará forma mente que direitos merecem reconhecimen-
às normas reguladoras de conflitos; mas to sob pontos de vista da justiça. Direitos
também deve ele impor, por meio da forma- são “trunfos” num jogo de baralho. Isso
ção discursiva da opinião e da vontade, res- implica dizer que há uma resposta correta e
trições à realização de fins coletivos.
que será ela encontrada pelo esforço herme-
É assim que, absorvendo e transforman- nêutico do juiz Hércules em realizar o con-
do a herança kantiana, Habermas fará a di- ceito de integridade. Habermas substitui,
ferenciação entre os usos pragmático, ético então, o solipsismo de Hércules pelo princí-
pio do discurso, pelo agir comunicativo que
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outro. Nesse espectro, paradigmas funcionam
am na elaboração participativa do discurso
de aplicação numa “sociedade aberta de
intérpretes da Constituição”. (HÄBERLE,
Nesse diapasão, o tribunal não pode fun-
cionar como único e último intérprete da
Constituição. Elaborando uma crítica à op-
agir direcionado a um fim. Normas sur-
ção metodológica da Corte Constitucional
gem com uma pretensão de validade biná-
Alemã por uma jurisprudência de valores,
ria, podendo ser válidas ou inválidas; em
Habermas vai acentuar a diferenciação nor-
mativa de Dworkin entre regras e princípios,
reforçando aquele caráter para esses últimos.
A Constituição não é uma “ordem concreta
dizendo ‘sim’ ou ‘não’, ou abster-nos
de valores”, mas um conjunto coerente de
do juízo. Os valores, ao contrário, deter-
princípios e regras (os princípios são aber-
minam relações de preferência, as quais
tos e precisam ser densificados com os ele-
significam que determinados bens são
mentos do discurso de aplicação; as regras
mais atrativos do que outros; por isso,
elementos suficientes de sua aplicação,
valorativas pode ser maior ou menor.
formação da opinião e da vontade que ga-
ranta a autonomia pública (soberania po-
pular) e privada (direitos fundamentais) do
valores, Habermas se opõe à proposta argu-
mentativa de Robert Alexy. Aqui instaura-
se a grande controvérsia entre Habermas e
Alexy sobre a devida compreensão dos prin-
cípios e seu caráter deontológico. A tese de
discursos de justificação (referentes à vali-
dade das normas) e discursos de aplicação
(referentes à adequabilidade das normas) objetivante de Luhmann no que concerne
(GÜNTHER, 2004), permitindo que o contro- às possibilidades de integração social que o
le de constitucionalidade acabe-se tornando, direito pode levar adiante, por outro lado, é
em última análise, num tipo de legiferação.
explícita sua incorporação e reafirmação da
“Princípios ou normas mais eleva- idéia do último relativa à operacionaliza-
das, em cuja luz outras normas po- ção do direito como um sistema. O direito é,
dem ser justificadas, possuem um ao mesmo tempo, sistema de ação e sistema
sentido deontológico, ao passo que os de valores. Seu modo de operar é a distin-
valores têm um sentido teleológico. ção direito/não direito, justo/injusto, e não
Normas válidas obrigam seus desti- um código gradual relativizante que permi-
natários, sem exceção e em igual me- te ao Judiciário refazer o que o Poder Legis-
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lativo havia empreendido no âmbito de fun- a dupla contingência (condições de conhe-
damentação ou justificação das normas15.
cimento limitado e tempo infinito) do siste-
Habermas (2002, p. 356) esclarece que o ma jurídico (GÜNTHER, 2004, p. 383). Essa
próprio termo deontológico se refere, em pri- concepção joga por terra qualquer tentativa
meiro lugar, a um caráter obrigatório codifi- de conceber o direito de uma perspectiva
cado de maneira binária. Mesmo que se res- racional, pós-convencional16, que possibilite,
trinja a universalidade de normas a um cam- ao menos no nível da aceitabilidade racio-
po específico localizado social e temporal- nal, que os destinatários das normas pos-
mente, como só ocorre com as normas jurí- sam-se entender como seus autores; mesmo
dicas, não se viola o código binário, código que saiam vencidos nos procedimentos de
este que possui pretensão de verdade aná- adjudicação, eles devem poder, no mínimo,
loga a de mandamentos que variam entre ter o próprio procedimento como legítimo.
“certo” e “errado” e nem é ultrajada a in- Talvez isso não esteja distante da legitima-
condicionalidade de sua reivindicação nor- ção procedimental luhmanniana. Mas tal
“A maneira de avaliar nossos va- des democráticas, dificilmente argumentos
lores e a maneira de decidir o que ‘é podem ser colocados de lado quando criti-
bom para nós’ e o que ‘há de melhor’ cados.
dia para o outro. Tão logo passásse- código binário do direito deve ser respeita-
mos a considerar o princípio da igual- do, caso não se pretenda romper com auto-
dade jurídica meramente como um nomia do sistema. E isso é mantido por ele
bem entre outros, os direitos indivi- mesmo quando reconhece a abertura do sis-
duais poderiam ser sacrificados caso tema do direito em relação a outros códigos.
a caso em favor de fins coletivos; no Apenas os programas17, e não os códigos,
caso de uma colisão, deixaria de ocor- possuem o instrumental para aceitar mu-
rer o ‘recuo’ de um direito em relação a danças. Não obstante a crítica de Günther,
outros, sem que ele tivesse que com isso que acusa de precária a teoria de Luhmann
perder sua validade”. (HABERMAS, por não ser possível desvincular argumen-
tação de adequação dos programas relati-
O problema que surge da concepção de vos aos códigos, podemos entender, com
Luhmann, se tomada realmente como uma Habermas, a questão da seguinte maneira:
concepção objetivante, está na irrelevância só tem acesso e validade nos discursos jurí-
que a argumentação assume na tarefa de dicos de aplicação os argumentos que, se-
justificar o direito moderno. Como ressalta jam eles de ordem moral, pragmático-políti-
Klaus Günther (2004, p. 382), Luhmann con- ca ou ética, foram filtrados pelo código do
cebe as normas a partir de um dever coativo direito nos discursos de fundamentação das
e da única e exclusiva função de sinalizar a
recusa de aprendizagem, não podendo elas
aplicação de normas a casos isolados signi-
fica não mais que uma decisão orientada
por critérios internos; da ótica externa, a estar, Ingeborg Maus (2000, p. 183 et seq.)
decisão é somente a correlação de uma ex- noticia um crescimento dos poderes e com-
pectativa de comportamento com o código petências do Poder Judiciário alemão, em
direito/não direito. Argumentos não têm especial da Corte Constitucional. Segundo
mais do que uma função retórica e encobrem Maus (2000, p. 186), tal crescimento se deve
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ao tipo de abordagem hermenêutica por outros parâmetros que não tinham qualquer
parte dos juízes, que há muito não aplicam vinculação com a Constituição, mas, ao con-
o direito positivo silogisticamente, mas ape- trário, eram tratados como normas supra-
lam para fundamentos, segundo ela, de or- positivas às quais o Judiciário teria sempre
acesso. Justificou-se o domínio da doutrina
Esse crescimento pode ser contraposto antiformalista com o recomeço do Estado de
ao modelo de adjudicação próprio do para- Direito. Com isso, o monarca que teria sido
digma liberal, modelo da aplicação por si- destituído com o paradigma liberal burguês
logismos da lei, um tipo de interpretação reencarnou no superego que constitui o
formal que, aos olhos de Maus (2000, p. 188), Judiciário (MAUS, 2000, p. 187). A “socie-
parecia atender ao princípio da soberania dade órfã” já não dispunha do livre acesso
do povo, confundido com a própria lei. A à emancipação moral, mas tinha no Estado
proeminência do Poder Legislativo após a um poder que era a imago, a imagem pater-
Revolução Francesa, justificada teoricamen- nal que lhe ditava os principais valores as-
te por Sieyès, teria surtido efeitos na Alema- sim classificados por ela. O direito aplicado
nha, ocasionando a total subserviência, no não é o votado no Legislativo, mas o que o
século XIX, do Judiciário ao direito formal Judiciário entende como aplicável; se ele não
burguês. Com o advento do paradigma so- existe, basta criá-lo.
cial, os juízes alemães reivindicaram mais e
mais poderes: isso pode ser notado princi- à Alemanha. Para a autora, pôde-se verifi-
palmente com a criação da Associação dos car nos últimos anos o aumento da popula-
Juízes Alemães, no início do último século. ridade do Poder Judiciário (popularidade
A instauração do regime nazista, outrossim, fruto da ausência de poderes de crítica por
contribuiu em muito para que os juízes pas- parte de uma sociedade órfã) também em
sassem a encarnar o modelo de eticidade países como os Estados Unidos. A recente
tão caro à conformação da unidade do povo literatura traz ao público biografias de juí-
alemão. O juiz era a unidade schmittiana, zes, históricos desses personagens em que
portador de um tipo de autorização dada eles são comparados a deuses do Olimpo19.
pelo III Reich para que eles se desligassem Isso daria margem para a formulação de te-
das “muletas da lei” e pudessem levar adi- orias que, segundo ela (MAUS, 2000, p. 186),
ante o processo da unificação; eles eram os atribuem ao juiz um poder excessivo: tal se-
protetores dos verdadeiros valores de um ria, por exemplo, a proposta teórica de
povo e aniquiladores dos falsos. (MAUS, Ronald Dworkin. Seria possível vislumbrar,
na teoria da integridade, a atribuição por
Com o pós-Guerra e a reinstalação da demais onerosa aos juízes de dizer o que é o
democracia, no entanto, esse papel de con- direito. Apesar do instigante diagnóstico de
dutor da “moralidade alemã”18 foi mantido Maus, que problematiza a questão de se co-
mesmo com a Constituição de Bonn de 1949. locar o Judiciário no centro do sistema do
Juristas permaneceram nas universidades direito, a autora não reflete bem acerca do
e juízes em seus cargos, ou seja, o mesmo pensamento de Dworkin.
pensamento de extensão dos poderes e com-
petências do Judiciário permaneceu. Assim, modernidade podem ser situadas, ou pelo
foi fácil para a Corte Constitucional Alemã menos têm a pretensão de, no estágio 6 do
criar doutrinas como a da jurisprudência terceiro nível do desenvolvimento moral,
de valores, reelaborando o passado nazista como acima salientado (v. nota 16). Desse
como uma amarra do juiz ao direito positi- modo, é preciso também atentar para um
vo e propondo o julgamento conforme cláu- nível de diferenciação dos usos da razão
sulas gerais, conceitos indeterminados e prática, como também acima salientamos,
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pelo pensamento de Habermas (usos mo- básica – especial, pessoal, abrangente e igua-
ral, pragmático e ético). Conseqüência des- litária. Uma obrigação é especial porque ela
ses fatores é a tão destacada distinção entre possui um caráter distintivo para o grupo,
Na esteira desse pensamento, Ronald munidade devem ter em relação aos não
Dworkin (2002, p. 36) distinguirá argumen- membros. É pessoal porque vai de membro
tos de princípio de argumentos de política. a membro, não percorrendo todo o grupo.
Os argumentos de política decidem sobre o Será abrangente na medida em que os mem-
que é bom para uma determinada comuni- bros possam ver tal responsabilidade como
dade; argumentos de princípio dizem sobre decorrente de uma mais geral, o interesse
o que é justo, ou seja, são argumentos nor- pelo bem-estar de todos. Por fim, os mem-
mativos que não podem ter sua obediência bros devem ter em mente não apenas um
interesse, mas um igual interesse por todos
“Denomino ‘política’ aquele tipo os membros. (DWORKIN, 1999, p. 242-243).
O caráter deontológico do direito aceito
a ser alcançado, em geral uma melho- por Dworkin e Habermas é também com-
ria em algum aspecto econômico, po- partilhado por Klaus Günther (2004). Prin-
lítico ou social da comunidade (ain- cípios são normas que devem ser interpre-
da que certos objetivos sejam negati- tadas em sua melhor luz segundo um siste-
vos pelo fato de estipularem que al- ma jurídico coerente23, próprio às sociedades
gum estado atual deve ser protegido pós-convencionais. A distinção entre discur-
contra mudanças adversas). Denomi- sos de justificação e discursos de aplicação
no ‘princípio’ um padrão que deve ser pressupõe a diferenciação entre validade e
observado, não porque vá promover adequabilidade, ou seja, que normas podem
ou assegurar uma situação econômi- ser válidas e não ser contraditórias pelo sim-
ca, política ou social considerada de- ples fato de serem afastadas em determina-
sejável, mas porque é uma exigência das situações de aplicação.
Essa é uma diferenciação que não se apli-
ca a Robert Alexy (1993). Com sua concep-
ção de princípios como mandados de otimiza-
integridade do direito, eles estão agindo ção, Alexy relativiza o código binário do di-
conforme membros de uma comunidade de reito e aceita a posição da Corte Constituci-
princípios (assim como todos os outros ci- onal Alemã de que a Constituição é uma
dadãos). Eles devem interpretar o direito em “ordem concreta de valores”, tal como deci-
sua melhor luz, sem se vincular totalmente dido no caso Lüth. Desse modo, Maus diri-
ao passado (como fazem os convencionalis- ge uma crítica a Dworkin que seria mais bemtas20) e nem totalmente ao futuro (como os
pragmáticos21); isso inclui o tratamento deon-
tológico, e não axiológico, dos princípios e
fundamentais, risco inerente à ‘Juris-
o respeito aos direitos, tidos como “trunfos”
diante de argumentos de ordem política. A
moral política em Dworkin é um todo coeren-
te das virtudes cívicas da eqüidade, da jus-
tiça, do devido processo e da integridade22;
não é o que o juiz pensa que é bom para
mim/nós, mas o que é universalmente bom
almente situações pretéritas. Tal como
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nomias principiológicas, que exigem acordo com um código, que é uma duplica-
pesagem/ponderação. Contudo, esse ção da comunicação por meio de uma afir-
procedimento não pode jamais pau- mação e uma negação. O direito opera com
tar-se por práticas judiciais utilitári- o código direito/não direito. Para ele, só in-
as, ou seja, pela fixação de priorida- teressam comunicações que façam referên-
des/preferências judiciais. Dessa cia à legalidade ou ilegalidade. Tertium non
maneira, não haveria uma ‘colisão’ de datur. O direito deve expressar expectativas
princípios e sim uma ‘concorrência’ de comportamento, comunicá-las e fazer com
dos mesmos. Dworkin sustenta um que elas sejam reconhecidas.
critério de ‘coerências’ que refletisse
‘um nível mais profundo da moral estrutural, não obstante seu fechamento
política’ ”. (CRUZ, 2004, p. 204).
operacional. Para Luhmann, a Constituição
Dworkin não pensa que os juízes devam é o acoplamento estrutural entre os sistemas
incorporar a moral (ética, melhor dizendo) do direito e da política. Tal acoplamento não
de uma sociedade, mas sim que eles são in- viola a especificidade de cada sistema.
leva adiante determinados princípios, caso direito levou à autonomização do sistema
queiram regular sua convivência com os dos tribunais. Não obstante, eles devem ain-
meios do direito positivo (HABERMAS, da atender ao código binário direito/não
1998). O Juiz Hércules não passa de uma direito. Para Luhmann, diferentemente da
figura de retórica aplicável a qualquer ope- hierarquização entre Legislativo e Judiciá-
rador do direito. Discursos morais não se rio, há uma separação entre centro e perife-
confundem com discursos éticos, nem com ria. O Judiciário ocupa o centro do sistema
discursos pragmáticos. Quando um juiz do direito.
decide aceitando o ideal de integridade, ele
só pode levar em conta, no discurso de apli- faz do direito como sistema é objetivista por
cação, discursos morais, éticos e políticos demais, não incorporando Luhmann os
traduzidos para o código do direito. O prin- ganhos da hermenêutica. O que Habermas
cípio da democracia traduz para o direito não salienta é que Luhmann não pretende
institucionalizado o princípio do discurso, “encapsular” os sistemas que descreve: o
tornando só aceitáveis os princípios e re- próprio conceito de irritação põe essa afir-
mativa de lado. Mais que isso, a construção
do sistema do direito a partir da diferença
centro/periferia permite que o sistema do
direito tenha acesso, por intermédio da pe-
As sociedades da alta modernidade são riferia, a argumentos de outras ordens, trans-
marcadamente complexas. Nelas, os siste- formados para o código do direito pelo Le-
mas se diferenciam na mesma medida em gislativo.
que cresce tal complexidade; há uma dife-
renciação dos sistemas autopoiéticos em código binário do direito ao assimilar prin-
relação ao ambiente que os circunda e em cípios a valores e não a normas, por sua te-
relação a si mesmos, constituindo subsiste- orização acerca dos mandados de otimiza-
mas. O sistema é o conjunto de elementos ção. Além disso, fica muito difícil sustentar
interrelacionados, cuja unidade é dada por a racionalidade da jurisprudência de valo-
res mediante um método, o princípio da pro-
As operações de um sistema observam porcionalidade, levado em conta o giro pro-
seus próprios limites. A observação de tais porcionado pela transição da filosofia do
limites leva a uma operacionalização de sujeito para a filosofia da linguagem. Revista de Informação Legislativa
1 Para uma análise mais pormenorizada da
Dworkin, a diferença entre argumentos de questão, vide o artigo de Mattos (2003, p. 67-118).
política e argumentos de princípio permite
2 A ciência moderna conhece seus próprios limi-
enxergar a precedência do justo sobre o bom. tes. As ambições do Iluminismo relacionadas a uma
Em Habermas, normas não se confundem racionalidade extremada há muito cederam espa-
com valores: as primeiras possuem um có- ço para uma concepção de ciência que se sabe pre-
cária. Para tanto, Cf. CARVALHO NETTO, 2003,
digo binário, os segundos, um código gra- p. 81-108.
dual. Além disso, em sociedades complexas,
3 O conceito de autopoiesis foi elaborado por
os usos da razão prática não podem ser con- Humberto Maturana, biólogo chileno, que buscava
fundidos e devem ser identificados caso a explicar a organização de organismos vivos. “Un
caso (uso moral, ético e pragmático). Em sistema vivo, según Maturana, se caracteriza por la
capacidad de producir y reproducir por sí mismo
Günther, a diferenciação entre discursos de los elementos que lo constituyen, y así define su
justificação e discursos de aplicação impe- propria unidad: cada célula es el producto de un
de a confusão entre validade e adequabili- retículo de operaciones [.] internas al sistema del
cual ella misma es un elemento; y no de una acción
Maus evidencia o problema da perda de externa”. (CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p.
4 “La distinción entre operación/observación está
guiar por um tribunal que escolhe os valo- en la base del planteamiento constructivista de
res mais caros e os impõe coercitivamente, Luhmann [.] y de la extensión del concepto de
sem levar na devida conta o caráter recípro- autopoiesis [.] a los sistemas constitutivos de
sentido. Partiendo de esta distinción se pueden
combinar en efecto la absoluta determinación de las
Em sociedades complexas e pós-conven- operaciones autopoiéticas con la contigencia de la
cionais, a legitimidade do direito assenta- observación.
se na possibilidade de aceitabilidade racio-
Con operación se entiende la reproducción de
nal por parte dos destinatários dos resulta- un elemento de un sistema autopoiético con base
dos de discursos jurídicos de fundamenta- de los elementos del mismo sistema, es decir, el
presupuesto para la existencia del sistema mismo.
ção e de aplicação. Não há mais como ape- No existe por tanto un sistema sin un modo aun la
lar para instâncias de fundamentação que distinción justo/erróneo es un esquema observativo
não representem o acordo racional, pelo con sus propios límites y con el propio punto ciego
menos no sentido procedimental, dos indi- y no garantiza una particular adecuación con el
víduos e grupos de uma comunidade jurí- mundo”. (CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p.
119-120). A observação é uma operação do sistema,
dica localizada e situada historicamente.
consistente numa distinção. Toda distinção se
Essa necessidade de legitimação ganha estabelece com relação ao sistema e ao ambiente; se
importância na medida em que a lógica da o sistema aponta para ele mesmo, cuida-se de uma
divisão de poderes é revista pela mudança auto-referência; se para o ambiente, heteroreferência.
de paradigmas. Funções antes desempenha- A auto-observação é uma distinção aplicada a ela
das precipuamente pelos órgãos de poder
5 Para a teoria dos sistemas, a comunicação não é
passam a flutuar entre os mesmos, ultrapas- uma ação. É uma operação social de três momentos:
sando a concepção estanque própria do ato de comunicar – informação – compreensão. A
comunicação é algo improvável, já que a corres-
pondência entre o ato de comunicar e a compreen-
A devida compreensão pelo Poder Judi- são é impossível. No marco de uma teoria dos sis-
ciário da qualidade deontológica das nor- temas, não existe consenso. Para tornar a questão
mas jurídicas é, talvez, a única forma de se ainda mais problemática, há a complexidade (ex-
garantir uma prestação jurisdicional racio- cesso de possibilidades) da comunicação. O que se
nalmente aceitável, cujos pressupostos não pode fazer é reduzir tal complexidade por meios de
6 Para tanto, Cf. HABERMAS, 1998. Na versão
para o português, Cf. HABERMAS, 1997. Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005
7 Função, em Luhmann, não é um efeito a ser
passado que possa orientar a decisão no presente,
buscado, mas um esquema regulador de sentido,
ou mesmo que a regulamentação sobre eles seja de
que organiza um âmbito de comparação de efeitos
caráter duvidoso ou nem chegue a existir. H.L.A.
equivalentes. (MANSILLA RODRÍGUEZ, 2002, p.
Hart resolve o problema desses casos atribuindo
um poder discricionário aos juízes para resolvê-
8 “La diferenciación no se observa tan sólo entre
los. Ronald Dworkin (2002) enfrenta a questão com
el sistema y un entorno con el transfondo de lo
sua teoria da integridade do direito e com o recurso
indeterminado del mundo [.]. Es observable también
a princípios jurídicos. Cf. HART, 1994.
al interior de un sistema (Systemdifferenzierung o
13 “O conceito de irritação (irritabilidade) apon-
de manera más simple Differenzierung). La
ta para o fato de que a causa do acoplamento es-
diferenciación de un sistema consiste en la aplicación
trutural dos sistemas acoplados reage de maneira
de la formación de un sistema a sí misma: se trata de distinta ao que se refere à celeridade, às irritações
una forma reflexiva y recursiva de construcción de [.]. Os acoplamentos estruturais com seu duplo
sistema que replica, al interior del sistema mismo, la
efeito de inclusão/exclusão fazem mais a concen-
diferencia sistema/entorno”. (CORSI; ESPOSITO;
tração da irritabilidade. O mesmo que preparam
no âmbito de suas possibilidades para as contin-
9 Há uma vasta bibliografia discutindo tal am-
gências”. (CHAI, 2004, p. 62-63).
pliação de poderes e os perigos nos quais ela incide.
14 Na filosofia de Leibnitz, substância simples
De forma sumária, pode-se vide Dworkin (1999);
ativa, de que todos os corpos são feitos.
15 Günther procede à diferenciação entre discur-
10 O movimento do realismo jurídico se proje-
sos de justificação ou fundamentação e discursos
tou nos idos das décadas de 1920 e 1930 nos Esta-
de aplicação, diferenciando conseqüentemente va-
dos Unidos, tendo como primeiro divulgador Oliver
lidade de adequabilidade. Cattoni de Oliveira
Wendell Holmes. As doutrinas do realismo jurídi-
(2002, p. 85) bem evidencia os conceitos: “Os dis-
co teriam o intento de afastar a suposta pureza do
cursos de justificação jurídico-normativa se refe-
Direito e demonstrar sua íntima vinculação à polí-
rem à validade das normas, e se desenvolvem com
tica. O realismo jurídico, nas palavras de Morton
o aporte de razões e formas de argumentação de
Horwitz, produziria um ceticismo salutar e seria
um amplo espectro (morais, éticas e pragmáticas),
mais adequado para descrever um sistema de Di-
através das condições de institucionalização de um
reito que, nos EUA, construiu-se muito por contri-
processo legislativo estruturado constitucionalmen-
buição do trabalho dos juízes de interpretar e apli-
te, à luz do princípio democrático [.].
car a Constituição. A máxima que sintetiza as idéi-
Já discursos de aplicação se referem à adequa-
as do realismo jurídico pode ser encontrada na po-
bilidade de normas válidas a um caso concreto, nos
sição do Juiz Presidente da Suprema Corte, Charles
termos do princípio da adequabilidade, sempre
Evan Hughes, que alegava ser a Constituição o que pressupondo um ‘pano de fundo de visões para-os juízes dizem que ela é. (MARTINS, 2002, p. 215-
16 Klaus Günther e Jürgen Habermas apropri-
11 Uma vez que os sistemas são auto-referentes e
am-se da concepção principiológica da teoria de
autopoiéticos, a assimetrização de um paradoxo evita Kohlberg acerca dos estágios de desenvolvimento
que as operações do sistema se voltem sobre si moral para inseri-la no direito. Segundo Kohlberg,
próprias, sem referência a algum outro elemento.
o desenvolvimento moral da criança compreende
Nesse espectro, é preciso notar que um paradoxo tem
três estágios: pré-convencional, convencional e pós-
uma função criativa na teoria luhmanniana. “Las
convencional. “No nível pré-convencional o indiví-
paradojas se crean cuando las condiciones de duo não chega a compreender que as regras e valo-
posibilidad de una operación son al mismo tiempo a
res se baseiam em tal acordo, e as reificam. No nível
las condiciones de su imposibilidad [.]. Las
pós-convencional, os indivíduos percebem que es-
paradojas surgen cuando el observador, que en
tes acordos, por seu turno, baseiam-se em princípios
cuanto tal señala algunas distinciones, hace surgir la
que, inclusive, podem fundamentar a alteração
cuestión de la unidad de la distinción que está
destes acordos. O nível pós-convencional, que aqui
utilizando [.]. Toda distinción es inherentemente nos interessa de modo mais direto, é dividido em
paradójica, precisamente porque los dos dados que dois estágios: o estágio 5 (nível do contrato social
ou da utilidade e dos direitos individuais) e o está-
contemporáneamente: el uno en cuanto lado gio 6 (nível dos princípios éticos universais). O queindicado, el otro como el lado que debe ser difere ambos estágios é que o estágio 5 tende a ver
sobreentendido como lado al cual se hace referencia”.
tais princípios como intrínsecos à sociedade e a con-
(CORSI; ESPOSITO; BARALDI, 1996, p. 123-124)
ceber um escalonamento rígido e prévio entre estes
12 A expressão hard cases se refere aos casos difí-
princípios. Já o estágio 6 reconhece que estes princí-
ceis ou casos para os quais não há uma decisão no
pios podem ser postulados (ou reivindicados) uni-
Revista de Informação Legislativa
versalmente, mas que não existe um escalonamento
23 “Na última seção pretendo defender a tese de
rígido e prévio entre os mesmos (.)”. (GALUPPO,
que o sistema legal de uma sociedade tem que ser
interpretado como um paradigma de um sistema
17 “Los programas se definen en general como
de normas válidas, em última análise, coerente. De
conjuntos de condiciones para la corrección. Con
acordo com esta sugestão, um sistema jurídico pode
referencia a los códigos [.], los programas son
ser criticado pelos mesmos dois tipos de motivos,
aquello que establece los criterios para la correcta
como no caso das normas morais: as normas jurí-
atribución de los valores de tales códigos, de tal
dicas têm que ser válidas no sentido de uma teoria
manera que un sistema que se oriente hacia ellos
do discurso e o sistema coerente de normas jurídi-
[.] pueda alcanzar complejidad estructurada y cas pretende dar uma resposta adequada a todos
Los programas compensan la rígida condición
24 Alguns intérpretes de Dworkin tendem a apro-
binaria del código, que permite tomar en
ximá-lo de Alexy, dizendo, sim, que ele permite
consideración únicamente dos valores, introduciendo
uma ponderação do juiz quanto ele está diante de
en la decisión criterios extraños a éste [.].” (CORSI;
um conflito entre princípios (DWORKIN, 2002, p.
ESPOSITO; BARALDI, 1996, p. 131-132).
44). Antes de mais nada, é preciso asseverar que
18 É preciso salientar que Maus não distingue, tal
tais intérpretes têm por base a própria compreen-
são que Alexy tem de Dworkin e que pode ser en-
qual Habermas, discursos éticos de morais e de prag-
Derecho y razón práctica (1993). Não
concordo com tal visão. A distinção entre regras e
que, no último, melhor se expressaria por eticidade.
princípios, em Dworkin, não é uma distinção mor-
19 Maus se refere ao livro de Alan Barth (1974).
fológica; ela depende do caso concreto, dos sinais
20 Para os convencionalistas, “[.] a força coleti-
característicos que ele revela. Tanto é assim que
va só deve ser usada contra o indivíduo quando
não é possível estabelecer uma lista dos princípios
alguma decisão política do passado assim o auto-
mais importantes para uma comunidade, nem sim-
rizou explicitamente, de tal modo que advogados e
plesmente querer chamar tal norma de um princí-
juízes competentes estarão todos de acordo sobre
pio ou uma regra sem estar diante do caso concre-
qual foi a decisão, não importa quais sejam suas
to. Além disso, o termo “ponderação” em Dworkin
divergências em moral e política”. (DWORKIN,
não significa balanceamento, mas reflexão, algo que
um autor herdeiro do giro hermenêutico pode pre-
21 “O pragmático adota uma atitude cética com
tender sem se contradizer (Cf. ALEINIKOFF, 1987).
relação ao pressuposto que acreditamos estar per-
Outro ponto importante é que ele rechaça veemen-
sonificado no conceito de direito: nega que as deci-
temente uma axiologização do direito ao aceitar a
sões políticas do passado, por si sós, ofereçam qual-
tese da resposta correta, que pressupõe uma outra
quer justificativa para o uso ou não do poder coer-
tese, a da bivalência. (DWORKIN, 2001, p. 176).
citivo do Estado. Ele encontra a justificativanecessária à coerção na justiça, na eficiência ou em
alguma outra virtude contemporânea da própria
decisão coercitiva, e acrescenta que a coerência com
qualquer decisão legislativa ou judicial anterior não
contribui, em princípio, para a justiça ou virtude
ALEINIKOFF, Alexander. Constitutional law on the
de qualquer decisão atual”. (DWORKIN, 1999, p.
age of balancing. The Yale Law Journal, New Haven,
22 A eqüidade requer a existência de procedimen-
tos políticos que distribuem o poder político ade-
ALEXY, Robert. Constitutional rights, balancing and
quadamente (DWORKIN, 1999, p. 200); não tem o
rationality. Ratio Juris, Oxford, v. 16, n. 2, p. 131-
significado da eqüidade grega, mas muito mais o
140, jun. 2003. Tradução de Menelick de Carvalho
de imparcialidade. A justiça pede aos legisladores e
juízes que distribuam recursos materiais e prote-
jam a liberdade sempre de modo a alcançar um
______. Derecho y razon practica. México: Distribuci-
resultado moralmente aceitável. O devido processo
se refere aos procedimentos corretos para julgar
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da
algum cidadão (DWORKIN, 1999, p. 200). Por fim,
Constituição: fundamentos de uma dogmática cons-
“os juízes que aceitam o ideal interpretativo da
titucional transformada. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
integridade decidem casos difíceis tentando encon-
trar, em algum conjunto coerente de princípios sobre
os direitos e deveres das pessoas, a melhor inter-
BARTH, Alan. Prophets with honor: great dissents
pretação da estrutura política e da doutrina jurídica
and great dissenters and Supreme Court. New York:
de sua comunidade”. (DWORKIN, 1999, p. 305). Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005
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